Os segredos das redes sociais para viciar e manipular, segundo o documentário "O Dilema das Redes"
Que as mídias sociais podem ser viciantes e terrificantes não é revelação para ninguém que usa o Facebook, Instagram, Whatsapp, Twitter e similares. O Brasil é o segundo país que mais passa tempo nas redes sociais, com a média diária alcançando os 225 minutos, perdendo apenas para as Filipinas, com média de 241 minutos por dia. Os números são da GlobalWebIndex para 2019. Com a chegada da pandemia de covid-19, a consultoria Kantar realizou uma pesquisa que aponta que o uso do WhatsApp, Instagram e Facebook aumentou 40% no país.
Apresentado em janeiro de 2020 no festival estadunidense “Sundance Film Festival”, o documentário dirigido por Jeff Orlowski, "O Dilema das Redes”, chegou em setembro do mesmo ano à plataforma de streaming Netflix. Na película, ex-desenvolvedores e ex-executivos dessas plataformas de mídia social, entre outros profissionais preocupados com a saúde mental e os fundamentos básicos da democracia são entrevistados, e explicam que a nocividade das redes é um recurso e não um bug.
Foi você que escolheu ou foi o algoritmo que fez você escolher?
Em aproximadamente uma hora e meia de duração, esses entrevistados afirmam que as plataformas digitais estão dispostas a usar quaisquer recursos para possuir o tempo e os dados de seus usuários: Manipulam maquiavelicamente o comportamento humano com recursos como a rolagem infinita e a recomendação personalizada, visando a obtenção de lucro por meio de propagandas e anúncios.
Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software.
“Nunca antes na história 50 designers tomaram decisões que teriam um impacto em dois bilhões de pessoas”, afirma o ex-especialista em ética e design do Google, Tristan Harris. Assim como Harris, outra entrevistada é Anna Lembke. A especialista em dependência pela Universidade de Stanford, destaca que essas empresas exploram a necessidade evolutiva do cérebro de conexão interpessoal.
Jeff Orlowski, em suas produções, busca lançar um olhar reflexivo e impactante para questões atuais que precisam ser debatidas mundialmente. Isso é verificável especialmente em outros dois documentários premiados, também disponíveis na plataforma de streaming Netflix: "Perseguindo o Gelo" (2012) - ganhador do “Emmy de melhor documentário sobre a natureza” - e sua sequência, "Em Busca dos Corais" (2017), que recebeu o prêmio “Satellite Award de Melhor Documentário”.

Diferentemente de outras produções suas, "O Dilema das Redes", tem um tema muito mais abstrato. Na tentativa de fazer com que sua obra tenha a máxima compreensão do público leigo, Orlowski mescla técnicas convencionais de documentário aprimoradas, com uma narrativa ficcional que tem aparência de Sessão da Tarde: uma família moradora de um bairro periférico que sofre as consequências do uso abusivo das redes, entre elas, jantares silenciosos, o fanatismo político promovido por discursos enganosos em plataformas digitais e problemas de autoestima. São dramatizações engraçadas, ocasionalmente comoventes, às vezes simplistas e desajeitadas.
Há também sequências que lembram filmes de ficção científica, com pitadas de terror - essa é a fórmula que os produtores do filme encontraram para representar o funcionamento dos algoritmos das redes sociais, que controlam o cérebro e os desejos de seus usuários “impotentes”.
Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto.
Na narrativa ficcional, os problemas das personagens - que estão quase alienadas pelo vício -, vão muito além do simples vício, pois há uma perda do controle parental sobre os filhos. Desse modo, os produtores da película se equivocam quando colocam a culpa dessa dependência exclusivamente nas plataformas. Além disso, os interlocutores do filme associam o aumento de doenças mentais ao uso da mídia social, mas não reconhecem fatores como o crescimento da insegurança econômica. Ademais, sem contexto histórico, as mídias sociais recebem, mais uma vez, a culpa por provocar polarização, motins e protestos.

Apesar das declarações bem fundamentadas que dão credibilidade ao documentário, este acaba sendo tendencioso, porque apesar de trazer em seu próprio título a palavra “dilema”, foca em apenas um dos lados deste dito “dilema”. Somente nos minutos finais, os entrevistados reconhecem que as redes são parte de um avanço tecnológico e que podem gerar algo positivo. Ademais, os especialistas apresentam soluções pessoais e políticas que confundem dois alvos distintos de crítica: a tecnologia que causa comportamentos destrutivos e a cultura do capitalismo desenfreado que os produz.
Ironicamente, o próprio filme de Orlowski não é poupado pelo fenômeno que analisa, uma vez que é transmitido pela Netflix, onde se tornará outro nó no algoritmo baseado em dados do serviço. Todavia, “O Dilema das Redes” soa de maneira eficaz o alarme para a manipulação que é usada e para a quantidade de dados que as BigTechs possuem de seus usuários. O documentário funciona como um ponto de partida para quem quer começar a entender o que está por trás do sucesso dessas grandes empresas.
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