Com início nos anos 70, nas favelas cariocas, o funk é por si só um elemento muito característico da pós-modernidade. É claramente resultado da influência de outros ritmos, como o Miami Bass, electro-funk, freestyle e o hip hop. Em 2008, nas ruas e nos "bailes" de São Paulo, surgia uma variante, o funk ostentação. A capital paulista abriga, atualmente, os principais funkeiros do país.
Leandro Aparecido Ferreira ou como é conhecido no universo da música, MC Fioti, é um jovem nascido em uma região periférica da zona sul da cidade de São Paulo. É cantor, produtor, compositor e atualmente é contratado da Kondzilla Records. Seu maior hit, "Bum Bum Tam Tam", lançado em 2017, acumula 1,6 bilhão de visualizações na plataforma do YouTube e é o videoclipe com mais visitas do Brasil.
No funk, a letra "chiclete", o ritmo e a imagem — principalmente das estruturas posteriores da anatomia humana — são indissociáveis, ou seja, são estruturas comuns do gênero. A narrativa do videoclipe é inusitada e carrega em seus elementos audiovisuais os conceitos de hibridação e identidades fragmentadas propostos por Canclini e Stuart Hall, respectivamente. A partir da gravação de uma flauta que achou na internet, MC Fioti fez tudo sozinho: compôs, cantou e produziu em uma só noite seu maior sucesso.
O pano de fundo para a música de batida funk estreou há bastante tempo - no século XVIII, precisamente - e é a Partita em Lá Menor para flauta solo BWV 1013, de Johann Sebastian Bach (1722). É neste ponto que o encontro entre Brasil e Alemanha começa. A mescla de culturas e eras - influências barrocas com Bach e cultura popular com Fioti -, claramente é uma das características que permitiu que a música alcançasse seu sucesso estrondoso.
Juntamente com o som da “flauta envolvente”, um cenário que é popularmente compreendido como árabe é exibido, com odaliscas, uma múmia, sarcófagos e um músico estilo gênio da lâmpada reproduzindo o som da flauta. O lugar é escuro e se parece com uma caverna. Posteriormente, num segundo take, o próprio MC é retratado encantando mulheres em um parque com o som do instrumento.
Aqui cabe uma alusão ao Flautista de Hamelin, uma história do folclore alemão. Na história, o flautista resolveu o problema da infestação de ratos em Hamelin atraindo-os para o rio com o poder mágico de sua flauta. Depois de um desentendimento com o prefeito da cidade, o Flautista de Hamelin, por vingança, toca seu instrumento para atrair para dentro de uma caverna as crianças da cidade. Coincidentemente, tanto o músico do folclore quanto o de São Paulo, possuem uma flauta mágica que mexe com a cabeça das pessoas.
Essas fusões na música permitem um enriquecimento e uma abertura de sensibilidade intelectual muito grandes. Na música de Fioti, a hibridação ajuda a difundir e a manter viva a música erudita entre os mais jovens, principalmente entre aqueles que não tiveram acesso ao estudo de música clássica.
Contudo, assim como afirma Canclini, existem resistências a aceitar estas e outras formas de hibridação, como por exemplo, há quem diga que a mescla entre a música erudita - neste caso específico, a Partita - e o ritmo do funk é uma completa falta de respeito com os compositores clássicos.
Já num terceiro take, o MC domina o espaço e é o único que tem uma caracterização diferente, com trajes contemporâneos. A última cena se torna um grande baile, com várias personagens. São facilmente perceptíveis as identidades fragmentadas do sujeito pós-moderno no videoclipe, assim como a interculturalidade intensificada pela globalização.
O refrão da canção, como é nítido em outras músicas do mesmo gênero, possui ritmo e repetição, para que rapidamente haja uma profunda difusão do conteúdo e memorização por parte do público. Dessa maneira, a repetição intencional - "Vai vai com o Bum Bum Tam Tam, Vem Vem mexe o Bum Bum Tam Tam" - pode ser comparada aos poemas vanguardistas concretistas, que fazem um jogo entre a escrita e sua representação gráfica. Todavia, no caso da música, a poesia do funk é essencialmente auditiva, usando a palavra como elemento rítmico.
Com a modernidade - associa-se aqui mais uma vez o videoclipe a Canclini -, as representações culturais buscam outros espaços que não aqueles considerados formais e nesse sentido, a internet, ou melhor, o YouTube, é o grande palco, porque se configura como mais um lugar de ocupação "territorial" dos funkeiros.
Ultrapassando fronteiras físicas, a música de MC Fioti chegou aos quatro cantos do mundo. Já possui dois remixes, o primeiro, com cantores de várias nacionalidades, mais uma mistura de culturas e línguas. E o segundo surge em 2021, de forma espontânea, quando a música explode mais uma vez, devido às semelhanças fonéticas entre "Bum Bum Tam Tam" e "Instituto Butantan", que é a instituição responsável por produzir a vacina contra a Covid-19 no Brasil.
Destarte, "Bum Bum Tam Tam", tem o movimento funk como elemento principal e ainda, é carregado por simbolismos pós-modernos característicos, representando o Brasil em outros países, porque carrega em si a marca de uma cultura expressa em seu ritmo.
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